Esperança Zero

No rastro do último post, em que disse que os carros venceram os paulistanos na batalha pela primazia na paisagem urbana, uma constatação ainda mais dolorosa. São Paulo oferece hoje à imensa maioria de seus habitantes uma qualidade e estilo de vida deploráveis. A cidade é cenário de uma singular desesperança – da qual o trânsito é apenas o sintoma mais flagrante.

Em menos de quarenta anos, a cidade deixou de ser uma metropolezinha relativamente pujante, em muitos detalhes ainda revestida por um certo charme europeu, para se tornar um daqueles pesadelos contemporâneos a que os americanos costumam chamar de grandes cidades. Só que do Terceiro Mundo, o território sombrio da globalização – do qual São Paulo, aliás, parece concentrar todas as pragas e sinas. A poluição da Cidade do México; o trânsito exasperador do Cairo, a miséria de Bombaim e, sob outros véus, uma violência equivalente à de Bagdá. Não se trata de uma combinação de traços urbanísticos exatamente feliz.

Tenho às vezes a impressão de que, infelizmente, São Paulo já se encontra num ponto sem volta. Nela, exceto para os carros, o espaço público praticamente desapareceu. Nada me toca tanto quanto o sumiço das praças, que hoje só servem para mendigos dormirem e imbecis levarem seus cachorros fazer cocô. Nada retrata melhor a concepção paulistana média de espaço público do que um cão numa praça, retesado, enquanto despeja sobre e grama ou calçada uma exuberante amostra metabolizada de sua ração. Espaço Público, para um paulistano, não é o lugar de todos. É a terra de ninguém.

São Paulo torna-se, cada vez mais, uma cidade-dormitório de si mesma. As pessoas vão trabalhar, trabalham, voltam do trabalho, descansam e tornam a trabalhar. Fim de semana? Se tiver dinheiro, uma praia. Se tiver menos, um shopping. Se não tiver, bem-vindo ao exército invisível – o mesmo que, cedo ou tarde, varrerá a cidade em arrastões.

Cada qual de acordo com suas possibilidades, paulistanos de todas as classes tentam se defender. Caminhonetes blindadas; condomínios fechados, segurança privada, arame farpado, alarmes de ultima geração. Inútil. Os muros subirão até onde for humanamente possível. Depois disso, não tenho dúvida, ruirão.

São Paulo, e como ela o Brasil, emite todos os sinais de uma convulsão iminente. Banditismo político, instabilidade social, uma ganância travestida de eficiência e um tecido social cada vez mais esgarçado. Mas o pior sinal, insisto, é nossa própria indiferença. As pessoas não têm tempo para nada. Estão mais preocupadas em garantir seu presente que em defender seu futuro das nuvens negras que tingem o céu.

5 Responses to Esperança Zero

  1. Ismael Caetano disse:

    Zé, sabe que sou seu fã, né.
    Mas meu lado polianas tem uma fé impiedosa no mundo, nas pessoas.
    Temos que gerenciar, mimar e alimantar nosso lado crítico, porém sin perder la ternura.
    Enquanto há uma orda de pessoas enviando seus torpedos para mandar um big brother para o paredão (na verdade, pasme, chegam a 14 milhões!), sinto no ar um cheiro de pessoas indignadas provocando uma mudança silenciosa, como o barulho das formigas comendo as folhas…
    Cada lugar que paro, cada pessoa que esbarro e que consigo evoluir uma discussão crescente e madura como essa, percebo esse movimento.
    No fundo, concordo com você. E todos nós que temos alguma voz, devemos colocá-la a favor desse alerta.
    Preciso manter a fé.

    Beijos,
    Ismael

  2. adelita disse:

    seu texto me dá saudade de uma época em que não vivi, onde ser jovem era passear na praça e ir ao cinema sem medo de ser assaltado.

    e a gente vai levando como der, e se contentando com os pinguinhos de esperança que tem no coração da juventude.

  3. Zé Ruy Gandra disse:

    Querido Ismael,

    Que alegria encontrar sua mensagem. Mi blog es su blog.
    Já estou há algum tempo para te ligar. Farei-o semana que vem.
    Você tem razão. Acho que, como todo mundo, eu vivo me equilibrando entre o pessimismo e aquela esperança do Francis Hime, “de tudo se ajeitar”. Oscila ora pra um lado, hora pra outro. Mas não perco a ternura, não. Que venham as formigas, então, cujo barulho, confesso, não consigo ouvir (admito, porém, que já estou meio surdo. A briga, de todo modo, será muito dura.
    Carinhosíssimo abraço!

    Zé Ruy

  4. Zé Ruy Gandra disse:

    Lali, meu anjo querido.

    Eu lhe asseguro que esse mundo realmente existiu. Mais praças e bem menos pressa.
    Se alguém pode trazê-lo de volta, são os jovens, exatamente por causa desses pinguinhos de esperança que vocês trazem no coração da juventude. As mudanças sempre começam por eles, sopros que as inflamam.
    Love you!

    Sogro Zé

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